Monday, December 21, 2009

Dignity for a coin

"Eu vou contar até dez e quando abrir os olhos tudo vai mudar."

Foi isso que pensou Miguel sentado em sua cama, enumerando o número sem fim de acontecimentos desagradáveis que acometiam sua outrora pacata vida de homem comum da cidade grande. Agora seu tênis estava sujo de lama, suas mãos arranhadas e seu supercilho sangrava. Sua camisa branca e sua gravata preta estavam tinjidas de vermelho e fedendo a escremento de cachorro. Mas a culpa era dele, por tentar ser uma pessoa gentil. Pois o mundo não o era, e retribuia com ferocidade tentativas tolas te criar ambientes pacíficos e amigáveis. A contagem começou e terminou, de um a dez, ou de dez a um, a forma de contagem era indiferente pois não importava a preferência, os desejos intrísecos e a força inestinguível de vontade, o resultado era um só, que não por ser 'solo' era leve, brando ou prazeroroso, pelo contrário, era ruim, feio e asquerozo. Nada iria mudar. Nada mudou. O fedor ainda estava alí, o sangue ainda pingava e a dor era inabalável.
Miguel sabia que nessas situações a melhor coisa a se fazer era procurar consolo em um ombro amigo, uma namorada (aquela que ele não tinha), um amigo (que apenas não existiam), sua família (aqueles que o abrigo para abandonados tratava de esconder). Sozinho estava e permaneceria. Foi então que vendo sua estúpida vida decidiu tomar uma medida extrema, algo que acabasse por vez com sua dor, um ponto final, uma placa de 'end of the line', um luminoso que piscasse 'exit'. Colocaria fim em todo o azar, em toda a tristeza. Sabia que se o fizesse seria lembrado como um covarde que desistiu de sua dignidade, mas em prantos não via outra escolha. Foi até a cômoda velha ao lado de sua cama e da gaveta tirou o objeto preto que o conduziria até o fim da agonia. Com o dedo indicador apertou com força, pressionando até o fim o botão vermelho. A televisão ligou e lá estava ele vendo A Fazenda, da Record. Antes que se desse conta estava rindo e torcendo, se indignando com a fofoca, e fofocando indignado. Experniou, gargalhou e roeu as unhas quando a Roça foi formada. A sua dignidade fora parar no lixo, mas junto dela tudo que havia de ruim em sua vida. Só sobrara ele, o Brito e sua torcida veemente para o Xuxa. Adorava o nadador. Queria não apenas que o medalhista brasileiro ganhasse um milhão de reais, mas queria que ele comesse a Sheila Melo e desse um soco na cara do Caco. Assistiu eufórico até o último bloco do programa, quando descobriu que o Xuxa fora eliminado. Sua dor voltara e o fedor também. Mas foda-se a dignidade, todo dia às 20h ela iria embora novamente, e levaria sua dignidade junto, seria um peso a menos.

Esse é meu modo de dizer: Não assitam A Fazenda.