Tuesday, August 02, 2011

A educação física brasileira e a crise da década de 1980

Esse resumo que fiz na disciplina de corporeidade explica um pouco sobre os motivos da atual situação da educação física no Brasil. Eu achei o texto bem interessante, gostei de explicá-lo com as minhas palavras e queria ouvir a opnião de pessoas de fora (de outra área) sobre o assunto. O texto é enorme e isso é apenas um resumo que fiz pra debater na aula, talvez faltem informações para quem não é da área entender algumas coisas.

O texto ensaio “A educação física brasileira e a crise da década de 1980: entre a solidez e a liquidez” do autor Valter Bracht trata, obviamente, de uma crise pela qual a educação física passou na década de 1980, percorrendo pontos chave que causaram e explicam tal fenômeno.

O ponto de partida e o primeiro desses pontos chave encontrados no texto, contextualiza a então situação histórica da educação física na década de 80, discorrendo sobre a prática pedagógica em educação física, que se encontrava em crise de identidade. Naquela época foi colocada em questão o sentido e a função educacional da educação física no sistema educacional brasileiro, bem como, sua função social em tal sistema. Até então a educação física se restringia, de forma generalizada, às práticas desportivas e ao desenvolvimento da aptidão física (aptidão física essa que era alcançada prioritariamente pela própria prática esportiva) e com pouquíssima atuação na primeira parte do ensino fundamental. Tal núcleo gerador, incentivado inclusive pelo Estado, era tão forte que influenciava na formação dos professores de educação física, consolidando também no imaginário social, a vinculação única da educação física e esporte.

Porém, o autor destaca o fato dessa análise não ser observada no primeiro segmento do ensino fundamental (na época 1º grau), onde a educação física estava menos presente. E à medida que as atividades lúdicas e recreativas dessa etapa do ensino começam a ser substituídas pelas atividades psicomotoras, passa a ser considerada a proposta de desenvolver as práticas da educação física embasadas nos estudos do desenvolvimento motor, o que daria à educação física fundamento científico sólido. E, apesar da esportivização da educação física estar tão enraizada no imaginário social e também na formação dos profissionais da área; todo um contexto social, político e cultural da época tornou possível a emergência de perspectivas contestadoras da então hegemonia da “educação física-esporte”. O problema era que ao criticar tal núcleo gerador, atacava-se também a “identidade docente” dos professores de educação física, o que levou a um hiato em que muitos professores se indagavam o que deveriam fazer então, já que o que vinham fazendo não era o correto, representado simbolicamente na expressão cunhada por Fensterseifer e González (2007) como um estado entre o "não mais e o ainda não". Ou seja, não mais aquela prática pedagógica que havia se cristalizado, mas também ainda não uma prática renovada.

Outra conseqüência importante dessa desconstrução de identidade foi o deslocamento da didática para a pedagogia, por se entender que a formação dos professores precisaria ser mais sólida no aspecto científico com o intuito de proporcionar uma formação crítica que fosse capaz de lidar com a modificação de sentido e função social da educação física. Parando por aqui, dar-se-ia a entender que todo problema seria resolvido, mas a esperança de que a formação crítica com base nas disciplinas filosofia, sociologia e antropologia seria capaz de causar mudança radical na atuação dos professores morreu na dura constatação de que para mudar a prática pedagógica dos professores não bastaria apenas determinar diretrizes educacionais. Tal dificuldade está ligada a grande complexidade do processo de transformação da prática por se tratar de seres humanos, bem como ao reconhecimento da necessidade do envolvimento no e com o cotidiano da escola. Tal impasse nos leva ao segundo ponto chave do ensaio, a formação profissional em educação física.

No ano 2000 houve a elaboração de diretrizes curriculares para as licenciaturas, que também atingiu a educação física e levou à diferenciação definida para atuação no magistério e para atuação em outras instâncias da educação física (fitness, treinamento, e outros). O autor vê nessa situação algo positivo pois, é muito difícil tentar construir uma identidade profissional que vai contra o reconhecimento social de tal tarefa, ou seja, não adianta construir uma identidade docente com base na idéia de que o professor de educação física é um mediador crítico da cultura corporal de movimento se tal identidade vai ser barrada no imaginário social de que educação física está ligada somente ao esporte, ao fitness e afins. E é aí que a diferenciação é considerada como positiva pelo autor, pois além de possibilitar a formação de melhores professores, supre a necessidade dos “dois tipos de profissional”.

Outro fator fortemente relacionado à formação em educação física nos âmbitos educacionais e político-ideológicos, segundo o autor, é a equação entre o público e o privado no plano do ensino superior do Brasil e o fato de quanto mais o professor cresce na hierarquia acadêmica, mais ele se afasta da escola propriamente dita. Com relação à gestão pública, a construção de diretrizes nas décadas de 80 e 90 evitavam detalhar objetivos, conteúdos e procedimentos, deixando na mão das escolas e dos professores como se dariam as intervenções, dificultando uma solidez que talvez agregasse valor à identidade. No âmbito da prática pedagógica, não bastaria apenas vencer o “paradigma da aptidão física”, mas também proporcionar a formação de indivíduos capazes de se utilizar das práticas corporais aprendidas nas aulas de educação física para se situar histórica, social, cultural e politicamente, tornando-se cidadãos críticos e construtores de cultura.

São vários os aspectos que influenciam na não concretização das teorias críticas da educação física na prática pedagógica nas escolas, e talvez o mais determinante seja a existência de diretrizes que trazem apenas princípios gerais em vez de propostas detalhadas de objetivos, conteúdos, metodologias de ensino e avaliação. O autor defende essa idéia de se determinar essas propostas detalhadas, por que as formações continuadas deveriam sofrer mudanças radicais para que os professores se tornassem capazes de elaborar seus currículos de educação física, assim como as políticas educacionais precisariam considerar estudos e elaboração de planejamento como parte de ação docente. E como isso está longe de acontecer, a melhor opção se mostra a sistematização e oferta de propostas detalhadas aos professores como forma de construir estruturas colaborativas, que inclusive já foram propostas em obras como “Pedagogia crítica em educação física: metodologia do Ensino de educação física”.

No texto, quando o autor aponta a evidente construção de uma nova prática, chama atenção para mais uma crise. Esta se refere à globalização e ao conceito de “modernidade sólida” e “modernidade líquida”, e é aí que entra o terceiro ponto chave do ensaio do autor: Da educação física sólida em direção a educação física líquida.

O que o autor indica como educação física sólida, seria a idéia de que haveria um sentido maior e legítimo para as práticas corporais em nossa sociedade, bem definido e reconhecido. Como quando patrocinado pelo Estado - estando determinado em documentos oficiais de políticas públicas para a educação física e o esporte. O que o autor define como educação física líquida, se refere à metáfora de liquidez de Bauman (2001), que sugere a idéia de significado relativo que varia de acordo com diferentes planos ou perspectivas. Esses significados se dão de diferentes maneiras dependendo do interesse dos agentes manipuladores que geralmente se guiam por regras e interesses de mercado. Como a indústria esportiva (mídia), indústria do fitness, indústria do turismo, que, não lutam por uma hegemonia mas sim por fatias do mercado que absorve seus diferentes significados. Até mesmo o Estado que intervém em projetos sociais que visam conter a marginalidade, ou mesmo quando intervém através do patrocínio de megaeventos esportivos com interesses econômicos.

Depois de discorrer sobre todos esses fatores determinantes para crise de identidade, o autor chama atenção para a aceitação dessa realidade multifacetada da educação física em contrário à tentativa de determinar uma identidade pseudouniversal, mas lembra sobre a importância de compreender os desafios para a prática pedagógica, para a formação profissional e para o currículo que regem a concepção de educação, homem e sociedade presentes na prática do professor de educação física.

3 comments:

Fred said...

Acho que você não deve esperar outros comentários além deste. rs. Cara achei interessante o resumo, principalmente pois eu faço pós em planejamento educacional e docência do ensino superior, por isso, textos que tenha foco na concepção de educação, na identidade educacional e outros assuntos discutidos anteriormente, independente da área, serão sempre relevantes pra mim. Nunca tinha parado pra pensar em 'identidade pedagógica', mas agora tomo conta de como ela é fundamental.

André Rezek said...

eu acabo de ler um artigo sobre Política Pública e Gestão em saúde, daí venho ao kojiro ver se tem algo interessante pra desestressar.. mas apesar disso li o seu texto, já tava na vibe hIauhaiua..

cara eu indentifiquei pontos interessantes sobre o seu artigo, a saúde pública por anos foi atrás de uma identidade, acho que educação física não foi incluida nesse aspecto, sendo que no meu ponto de vista é questão sim de saúde pública. E no nosso país foi deixada de lado. da mesma forma que os postos de saúde são colocados para que diminua os gastos em cima da saúde de média e alta complexidade dentro do PSF a educação física dentro das escolas ajudaria na morbidade, e dentro disso deveria, principalmente o governo a estabelecer diretrizes pra essa questão, dando aí a tal indentidade pedagógica a ED.física.
acho que é um aspécto que pode gerar grandes discuções.

Felipe Vencato said...

interessante o texto. realmente a visão social em relação a uma profissão (como no exemplo onde a sociedade só conhece a educação física esportiva) nem sempre condiz com a real extensão de atuação dessa profissão (a possibilidade da ed. física auxiliando o desenvolvimento psicomotor do indivíduo). mudanças de paradigma são sempre complicadas, e a busca da correta identidade profissional é trabalhosa, dependendo de fatores de estado (necessidade de uma diretriz governamental reconhecendo as multifacetas da educação física). depende também, da visão dos próprios profissionais sobre sua classe, dado o exemplo dos profissionais já formados, que não sabiam como se encaixariam na transição. mas o segredo para o sucesso nesse mundo de constantes mudanças de cenário, onde a verdade de hoje é mentira amanhã, esta, a meu ver, nas palavras do filósofo Eric Hoffer:

“Em tempos de grandes mudanças, aqueles com a capacidade de aprender herdarão a terra, enquanto aqueles que já sabem tudo se verão incrivelmente preparados, para um mundo que não existe mais.”