Evangelização Expressa

Pra quem pensa que coisas caóticas em transportes públicos acontecem só aqui em BV:


Não sei como funciona aí na sua cidade, mas aqui no Rio de Janeiro, em especial na Zona Norte, como alternativa para os ônibus, existem as Kombis! Tipo, tem as vans (Besta, Topic, essas coisas), que vão da Zona-Norte para a Zona-Sul, e por isso são mais STYLE, uma vez que teoricamente, o público que está indo para a Zona-Sul é mais sofisticado; mas têm as Kombis kombosas, tipo aquela do Hurley, tá ligado? Então, as Kombis mesmo, circulam só pela Zona-Norte, porque provavelmente os empresários que controlam as Kombis pensam “Esse pessoal está feliz só de não ser baleado quando sai de casa! Então coloca qualquer merda para eles!”

Então, nas Kombis é tudo mais rock’n roll. Não só o carro é mais feio, como as situações são mais interessantes. Pense que ontem eu estava voltando de São Cristóvão com meu computador na mão, que estava na assistência técnica - o que a propósito merece uma pausa e parágrafo próprio:

Por que técnicos de Informática são tão IMPRECISOS?

O cara tava mexendo no computador e mandou:

- Então, parece que é a fonte.
- Ah legal, fonte é barata.
- Mas provavelmente - PRO-vavelmente (ele falou esse “pro” quase gritando) - é o processador.
- O processador? Ixi.
- PRO-vavelmente.
- Provavelmente.
- PRO-vavelmente.

“PRO-vavelmente”? Para que falar assim? Ele PRO-vavelmente acha que eu sou burro e não vou entender o significado de “provavelmente” se não for pronunciado “PRO-vavelmente”. E que porra é essa de não saber qual é o problema? Tipo, ok, dúvida profissional, até os melhores têm (quanto mais o que eu pude pagar) mas por que ele tem que ficar dividindo isso comigo? Ele acha que eu vou falar “AH TÁ. PERA QUE EU RESOLVO ISSO, JÁ QUE VOCÊ NÃO SABE. É ASSIM QUE FUNCIONA. EU TÔ PAGANDO, VOCÊ É O ESPECIALISTA, MAS SE VOCÊ NÃO SOUBER, EU RESOLVO.”

Me pergunto se a mesma situação poderia ocorrer num puteiro.

- Então, boquete eu não sei fazer. - diz a garota-de-programa.
- Ah, tá tranquilo, deixa que eu faço! - e me curvo.

Entendem o que eu digo?

Fuck.

Aliás, pensando bem, se um cliente acredita nesse papo de “PRO-vavelmente é isso ou aquilo”, ele realmente é burro o bastante para precisar que digam PRO-vavelmente.

Mas beleza. Daí era a fonte mesmo, ele tinha uma lá, me vendeu, meu computador voltou à vida, e vamos de volta para a Kombi, aonde eu estava segurando ele - o computador - e ela.

Ela = a porta.

É.

A porta da Kombi não fechava. Eu entrei, bati e ela abriu. Olhei com cara de culpado para o motorista, esperei aquele esporro “PORRA, SEU FILHODAPUTA! QUEBROU MINHA PORTA, VOU TE MATAR!”

- Hehe é assim mesmo! - disse o motorista rindo.
- Assim como?
- Ela abre.
- Sim. Portas abrem! Mas elas FECHAM, do contrário era só deixar um espaço.
- Como?
- Um buracão aqui, tá ligado?
- …
- …
- Cê segura a porta então, tá? Segura firme.
- Oh… ok.

E a viagem seria assim: com uma mão eu segurava o Pentium; e com a outra, a porta enferrujada. E dá-lhe curva em alta velocidade. Foi um lance meio Indiana Jones. Um belo entretenimento, eu diria. Quase uma lição de vida. “Seguro o computador ou a porta? Quem merece mais cuidado? Bem material ou a minha vida?” Um lance meio Indiana Jones encontra Mahatma Gandhi, se pá.

Depois que eu peguei o jeito de segurar a porta e o PC, a viagem ficou até tranquila. Foi quando uma velhinha entrou na Kombi:

- Ah meu filho, cê caiu do céu! - disse ela para o motorista.

E ele:

- Hahaha que nada… eu não…

Nessa ele ganhou pontos comigo. Eu pensei “Veja bem, é um caboclo humilde! Aprecio a humildade! Confio naqueles que não se deixam levar por elogios facilmente.”

Daê ele completou:

- … quem caiu do céu foi lúcifer.

E eu pensei: Nigga what?

- Como assim? - disse a senhora.
- Na Bíblia está escrito que quem caiu do céu foi Lúcifer. Ele foi empurrado.
- Não, sim, claro, não sei, eu acho… eu quis dizer que, assim, foi uma coisa boa você ter passado por aqui…
- Sim, sim, mas a PALAVRA DA BÍBLIA é essa. Quem cai do céu é Lúcifer. Eu não sou Lúcifer.

Claro que você não é.

E a mulher fez uma cara de espanto com o surto de Bisco Macedo que o motorista teve. Pude ver a cara dela, ao olhar no retrovisor, enquanto segurava o computador, a porta, e mandava um SMS para uma amiga falando sobre isso tudo.

É, eu tenho 3 braços.

É, eu tenho o cérebro de 2 focas treinadas.

Daí o motorista-pastor entrou numas de amenizar, já que notou o CLIMÃO que tinha causado na kombosa:

- Não, está tudo bem. Eu entendi o que você quis dizer. Eu também achava que “cair do céu” era algo bom. Só que está errado. Na verdade, as pessoas não lêem a palavra, ignoram a verdade (entendeu? Chamou a mulher de burra). Quando você lê a Bíblia, você descobre a palavra certa.

Daí pensei que a situação ficaria num loop de “Ah eu quis dizer” e “Sim, mas o que você quis dizer é loucura, porque a palavra…” quando:

- Olha, vendo assim, você está certo. Realmente, ele caiu porque foi empurrado, então… - fez uma pausa mais longa e finalizou - cair do céu não é uma coisa boa. - concordou a velhinha, com absoluta calma e sinceridade.

E viveram todos evangélicos para sempre.

Tipo, o cara evangelizou uma mulher em 40 segundos! Isso foi sensacional. A mulher ficou com aquilo na cabeça, e certamente passou a corrigir a todos que dizem “Caiu do céu” quando alguém faz um favor. E essa situação ilustra com clareza como funciona a Igreja Universal, RR Soares e todos esses bostas. Esse motorista-pastor ficou sendo meu ídolo da semana.

Acho que rolaria até um quadro no Fantástico para ele: Evangelização Expressa - com João da Kombi linha 313.


Balança..
Balança..
..Neném